O Disco


Domingos Morais
Um encontro cordial, de três músicos e oito violas
Ai de mim, tanta viola (8 violas), tanta corda (85 cordas), tanta música (14 temas), tanta moda tão bonita, e...tantos moços e moças à espera delas!
O desafio não foi pera doce. Como combinar, sem estragar, instrumentos que têm em comum terem cordas de arame, serem tocadas com os dedos sem recorrer a plectros. E afinações diferentes das muitas viagens em que encontraram uma identidade própria, com repertórios, contextos e funcionalidades que percorrem toda a paleta do viver em comunidade, do sagrado ao profano, do cerimonial ao lúdico.
Há nestes três músicos, marcas que merecem realce. Conhecem e amam a música dos seus países (Brasil e Portugal), sabem que “todo o Mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”, como tão bem cantou Luís de Camões (1524-1580) em “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
E arriscam procurar improváveis relações, coincidências, em motivos melódicos e rítmicos, poesias e temáticas como pontos de partida para nos darem novas leituras de temas revelados nos títulos mas que nos exigem uma enorme argúcia na sua descoberta, possível numa audição atenta. Ao prazer dessa fruição em tempo real, acrescentamos a escolha criteriosa de quais os instrumentos tocados em cada música, o diferenciado protagonismo de cada um deles, e a contenção em recorrer a um virtuosismo que ocultaria o que de mais essencial nos é revelado. O que mais nos Encanta neste trabalho, é o processo da sua criação. À partida, havia três músicos com percursos e vivências diferentes, que se foram conhecendo.O prazer de tocar juntos, sem outro propósito que o de encontrarem novos caminhos para o que cada um sabe fazer, é uma das disciplinas de maior exigência na criação musical que se faz na improvisação e repetição, até se conseguirem resultados que agradem aos três protagonistas. Uma vez mais, ocorre-nos o poema de Luís de Camões, na leitura de José Mário Branco em 1971, que acrescenta (com enorme descaramento)
um novo verso ao poema:...E se todo o mundo é composto de mudança Troquemos-lhes as voltas que ainda o dia é uma criançaEm cada uma das músicas, encontramos o tempo antigo das designações das províncias que organi- zavam o território português. Açores, Alto e Baixo Alentejo, Beira Baixa, Douro Litoral. E o repertório brasileiro, que pertence já ao imaginário dos dois países.
A miscigenação das culturas nos media, nas redes sociais e no convívio de portugueses e brasileiros veio para ficar, gerando novos territórios à procura de novas designações e em que o primado de comunidades transterritoriais de valores, práticas partilhadas e energia para construir o futuro estabelecerão novas referências de pertença.
Camões ajuda-nos, para terminar este breve texto, a dizer o que só a poesia permite expressar:
Continuamente vemos novidades, (...)
E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.



